domingo, dezembro 02, 2007
Suicidas
Ele apenas olhou para baixo
Ela era a primeira vez ali
Ele já somava a terceira
Ela nem sabe ao certo como subiu
Ele repetiu a mesma fórmula das duas primeiras
Ela ficou ali, sentada à vista de todos
Ele recuou e sentou sem que ninguém o visse
O que pensariam os dois?
Salvação? Desespero? Frustração? Derrota? Obsessão? Desprezo? Carência? Desapego? Impotência? Passado? Futuro? ...
A exposição, o escândalo são pedidos de ajuda
A discrição, o silêncio são mortais
Enquanto o corpo dele passava pelo sexto andar
Ela conversava com policiais
O que pensariam os dois?
Ele esmagou um carro na queda
Ela checou a pressão e foi medicada
sexta-feira, novembro 02, 2007
Bailarina
Primeira coisa que pensou
Ao ver a bailarina
Deitada
Barriga pra cima
Quem nunca notou os pés de uma bailarina?
Imaginava ser
Não tinha certeza
Os pés
Espalhados
Denunciavam
Sem sapatilhas
Descalça
Saia curta
Pernas fortes finas
Magrinha feito ... bailarina
Nada de barriga
A blusa branca
A mancha vermelha
Enquanto olhava
Pensava
Por que alguém iria querer
Matar uma bailarina?
sábado, outubro 06, 2007
O som do inevitável
De longe, parece carregar o silêncio
Próximo do alvo, o barulho é terrível
O som do inevitável
O ruído da tragédia
Pelo telhado anteriormente destruído
Ahmad viu a bomba
Só pensou em Sara
A judia com quem ele havia feito sexo apenas uma vez
Não pôde pensar em mais nada antes que seu cérebro se espalhasse pelas pedras
Se tivesse tempo, talvez pensasse em Basheera
Que brincava no que antes era o quarto ao lado
A única filha da esposa Aziza, que morrera em um atentado
Com certeza pensaria em Emma
Na grande barriga de Emma
Que envolvia Johann
Agora não passavam de disformidade
Compunham o caos de carne, banha e sangue que manchava as pedras
Na fração de tempo em que ouviu e viu a morte chegar
Ahmad só pensou em Sara
O primeiro amor
Orelha
sobe no ônibus falando ao celular
ao mesmo tempo
pela outra porta
loira alta magra cabelos compridos
desce do ônibus falando ao celular
"Cena de cinema"
pensou, vendo do outro ponto, o
moreno alto magro barbudo que falava ao celular
quarta-feira, agosto 15, 2007
Uivos de sax
quinta-feira, agosto 09, 2007
Palavras não salvam ninguém
João fala rápido e alterado
Pedro escuta, atento
João gesticula amedrontado
As palavras escapam cegas, desorientadas
morcegos saindo da caverna
João as quer limpas doces delicadas convincentes
Elas, rãs no cio, pulam na lama
lânguidas lodosas escorregadias
porém sedutoras
João monta em pelo e as palavras corcoveiam
tenta guiá-las por caminhos planos belos seguros
elas pulam moitas de espinhos
amantes da velocidade raspam árvores de galhos baixos
empinam
João as quer familiares companheiras esposas compreensivas
elas amantes impetuosas intolerantes sado-masoquistas
Garganta espinhosa João crê, por fim, ter gerado a rosa
Amansa-as todo prosa
Palavras ensolaradas e luminosas
espirituais, quase religiosas
Envolventes ventres maternos
protetoras seguras
Pedro continua escutando, atento
João hipnotiza-as malabariza-as coreografa-as
As palavras lambem e abanam o rabo
Acaricia-as atrás da orelha coça as costas delas
pega-as pelas mãos e as leva
pai confiante de filhas obedientes
Elas dançam graciosas para o convidado
Oferecem-se
mundo possível de paz e amor
Enfim repousam com a mão amiga estendida
É a vez de Pedro:
- Falô bonito, mas palavra não é escudo, não desvia a bala do meu trabuco.
POW POW POW
----------------
Now playing: J.J. Cale - Nobody Knows
via FoxyTunes
segunda-feira, agosto 06, 2007
Deus Crack
- Nossa, minha criança, você está bem, está com fome?
- Não, tia, é pra comprar crack.
- Ah, não! Então não dô!.Se você quiser eu compro uma coisa pra você comer. Quer?
- Quero não, tia, quero comprar crack.
- Mas menino, pára com isso. Compra outra coisa, compra um tênis, um chinelo, cê tá descalço.Não tá com frio no pé?
- Tô
- Então, cadê o tênis?
- Troquei por crack
- Pra crack eu não dô dinheiro. Assim você vai morrer. Você tem casa?
- Tenho não senhora
- Você tem que se tratar. Quer que te leve prum abrigo?
- Quero não senhora
- Vai viver na rua? Desse jeito? Isso é pior que morrer, Se morrer pelo menos encontra a paz de Deus
- Então, tia. Dá dinheiro, eu compro crack e morro mais cedo, pra encontrar com Deus
quinta-feira, junho 14, 2007
Garota com rosas
que era linda e levava rosas
a garota no ônibus
na manhã do dia dos namorados
Um misto de inveja e orgulho
nos olhares a ela disparados
Linda daquele jeito e ainda com rosas
Devia ter um namorado apaixonado
Flores logo pela manhã ...
Todas as garotas se arrumam cedo neste dia
A linda mulher notou
lágrimas nos olhos
da garota linda que levava rosas
na triste manhã do dia dos namorados
segunda-feira, junho 11, 2007
Perder para ganhar
O grito explodiu-o no peito
Ajeitou-se cuidadosamente no banco do carro e olhou pela janela
As armas não apontavam para ele
A alguns metros
O susto embaralhava vozes e choro
Uma bolsa mudava violentamente de mãos
O cano do revólver acariciou a ponta de um seio
Que se encolheu com medo e nojo
Os dois pivetes correram felizes com a bolsa
A moça ficou, chocada, chorando
A fragilidade dela tirou-o do carro
Aproximou-se com receio
Ela o olhou cheia de medo
Ele estendeu a mão
Ela a agarrou, tremendo
Ele abraçou-a tentando sentir peito contra peito
Ela pendurou-se nele e chorou de soluçar
Recuperando-se ela falou em chamar a polícia
Ele disse "polícia não" e sugeriu alguém da família
Ela aceitou e chamou a mãe
Sentaram no meio-fio, esperando
Aos poucos ela foi parando de tremer
Seu nome? Sabrina. E o seu? Pedro
Emoções escapavam por risinhos e gentilezas
A mãe chegou antes que o silêncio os envolvesse
Trocaram agradecimentos, beijinhos
Ele ficou com o telefone da casa (o celular tinha ido com a bolsa)
Ela partiu olhando-o pela janela
Ele saiu caminhando
Enquanto andava
Pensava em como ela era frágil
e linda
No carro, que ficou para trás
esqueceu a mixa e
os fios descapados para a ligação direta
sábado, maio 19, 2007
De pai para filho
O adjetivo viajou na memória pelas décadas em que ele não cresceu
Retornou com a companheira raiva
Encarcerada há milênios, agora explodia
Cega ao encontrar a luz
Fez o que fez e não sabe o que
A visão retorna, não a memória
O vermelho do sangue domina o ambiente
No chão, o filho. O único homem que ele realmente amou
Não foi o primeiro ou o único a enfrentá-lo
O primeiro e único a receber o troco
De quem ainda aprendia
Não poderia ensinar ao filho
Como conter as emoções e reações
Não poderia mais
Não mais
Nunca mais
segunda-feira, maio 07, 2007
Palavras
As frases surgiram do nada
Seriam saudação ao desejo?
Um bom dia aprofundado?
Mas ela pegou outro caminho
As palavras flutuaram sem serem ditas
Antes que o vento as soprasse
Costurou-as a tinta no papel
Para uma outra oportunidade
Decorou-as
Ensaiou um jeito natural de dizê-las
e atrair a atenção
Distraído, não a viu
Ela trouxe um inexplicável “oi” de repreensão
O beijo na face quente foi frio
A partida, instantânea e decisiva
As palavras no bolso e na mente
Esconderam-se
O mundo gira rápido demais para ele
Aceitar e compreender as impossibilidades
No bolso as palavras-unhas-canivete arranhavam
Arrancou-as e sem despedida
Com um ensaiado jeito natural
Devolveu-as ao vento
Ela percebeu de longe
Quando a distância se fez segura
Colheu o papel desprezado
As frases encontravam seu destino
Mas palavras sem desejo ou sentimento
Tornam-se apenas palavras:
“Senhora dos meus sonhos”
“Musa das minhas fantasias”
“Dona de todas as divagações”
“Distante dama da realidade”
domingo, abril 29, 2007
Inquilina que aniquila
Não que quisesse matá-la pessoalmente
apenas vê-la morta, ocasionalmente
Desaprendeu ser livre com ela
Cordas, correntes ou laços de seda
Fechou-se. As chaves abriam só para ela
Beijos, filhos, carinhos ou tortura psicológica
Um pensamento de morte
Dalton Trevisan faria literatura com isso
Não se pode sujar as mãos com sangue
A morte não sai do pensamento
Vive ali
Inquilina que aniquila
Tritura a vida por dentro
Sem se expor
De repente, a explosão
E o povo comenta
Ele nunca teve inimigos
bom pai bom marido bom filho
sempre foi uma pessoa pacata
nunca fez mal a ninguém
ninguém esperava isso dele
quinta-feira, abril 05, 2007
Expansão e recolhimento
é o dos outros
Selvagem
Expulsa-me
Recolho-me
O caos que vive em mim
Recebe-me
Doméstico
Acalma-me
quinta-feira, março 29, 2007
Em busca do ser
- O ser e o nada –
Olhos de radar esquadrinham o bar
Autômato avança à procura do alvo
No caminho mil acenos, mil apertos de mão, mil abraços, mil beijinhos
Nenhum aceno de Alice
Nenhum aperto de Alice
Nenhum abraço de Alice
Nenhum beijo de Alice
Alice não está
A garrafa mal dá tempo à boca
O líquido desce rápido e sobe rápido
A cada dois segundos os olhos focam a porta
A atenção não se prende a nada
A tensão vem da ausência
Como relaxar sem Alice?
Como relaxar com Alice?
Alice nunca veio
O álcool e a decepção baixam meu olhar da porta
Vejo as pernas de Anna se aproximando
As belas pernas que não são de Alice
O abraço quente o beijo carente
Foda-se Alice!
A esperança dirije um último olhar à porta
terça-feira, fevereiro 27, 2007
Nilo Peçanha
No ponto
Punks passavam pingando pose
- ...Foi lindo, lindo
- Cara, você já deu um murro em alguém com soco inglês? Isso sim que é lindo!!! O metal batendo na carne, o barulho, cara, isso sim que é lindo, cara, lindo ...
No ônibus
A velha vagia vantagem vigorosamente
- Essas meninas de hoje não sabem se divertir. Vão no baile e ficam no canto. Eu não. Eu danço o tempo todo ... e nunca sozinha. Danço tudo, bolero, dois por dois, inté tango ...
Sobrepõe-se o som selvagem do celular
Depois do alô, a fanha voz metálica invade o mundo:
- JOÃO,CARA, TÁ FUDENDO TUDO! TEM QUE PAGARR TUDO, SE NÃO NÃO ENTREGAM, CARA, E SE NÃO ENTREGÁ HOJE FUDEU O FIM DE SEMANA E VAMO PERRDÊ TODA A GRANA ...
- Ô Tadeu, péra aí, eu já ligo pra você. É que essa merda de celular só tá funcionando no viva voz e eu tô no ônibus. Já te ligo, falô?! Tchau.
O silêncio denso sua seco sete segundos e a velha:
- Essas meninas de hoje ficam sempre num canto com cara de nem me chegue nem me toque e eu já tô lá, dançando, num paro um minuto ...
Resta o riso
sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Automovimento
o ponto negro
quase no infinito
demora segundos
e se transforma em um carro
zumbindo do nosso lado
Alguém, uma vez, me disse que se você tentar pular de um carro para o outro no exato momento em que eles se cruzam em alta velocidade você pode fazer uma espécie de viagem no tempo. Que viagem
Aperto os lábios na seda
Sugo a fumaça
Me pergunto se ele vai querer me beijar
Passo o cigarro
Penso no que farei se tentar me beijar
Não é feio nem bonito
É um cara qualquer em uma estrada qualquer
Não sei por que aceitei a carona
Ou sei
Não tinha para onde ir
Não tinha a quem beijar
quarta-feira, janeiro 31, 2007
Gente é pra brilhar
Chovia
Bar aberto
Eu dentro
A mulher das rosas também entrou
No colo
O filho era ranho
E braços
E pernas
E cabeça caída
- Compra uma rosa prela tio!!??
Um pedaço da criança
Escorreu pelos calcanhares
E caiu em meu copo
- Cadê o garçon??
Em cada rosa confinada em plástico
Vendida ia com ela
Um pedaço escorrido da criança
Pequeno botão de espinhos
Nas pétalas
a cor da vida que escorre
Na vida
a lembrança da cor
Brilha o aço
Terno preto amassado
Gravata preta pro lado
Cigarro no toco
Fumaça cinza na aba
Chapéu preto cansado
Barba crescendo
Roupa da guitarra branca
Couro preto pano vermelho
O coturno agarra cada degrau
A chave rodou uma vez
Estalou alto no fim do corredor
Dentro
Clac, sem luz
Clac, sem lâmpada
Coturno couro preto pano vermelho
Andar lento
Rangendo os dentes de madeira que o mordiam
Filme colorido
Tuuuf
Carícia
Bbzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz
Um lá um sol um dó
Barulho infernal
Couro vermelho salto alto
Riscando cada degrau
Vestido justo lilás
Uma perna outra perna uma perna outra
Luva vermelha pulseira de tachas
Cabelo preto todo pro lado
Luz na direita
Amanhece
Couro vermelho salto alto
Furando o corredor
Barulho infernal
Olhos negros
A mão pára
Silêncio
Mão imóvel
Salto alto imóvel
Luz nas costas
Dele janela
Dela porta
Amanhece
Luva vermelha
Brilha o aço
Um grito
Amanhece
sexta-feira, janeiro 19, 2007
Blade Runner
Depois tocarei aquela canção
Só mais um beijo, baby
Musical
Lábios de sax
Tocando o músico
Língua de Hiroshima
Fissando lábios
Explodindo
Anarquista
Que todo poder desmorone de inveja
E o orgasmo os carregue
e viverei para sempre
replicante apaixonado
e terno
nesse beijo
segunda-feira, janeiro 01, 2007
Um homem chove
Chuva sobre o arame
Raios
Clarões
Instantes de visão
Atrás do arame
Imóvel
Capacete
Capa enorme
Botas
Fuzil nas mãos
Um homem sem rosto
Imóvel
Constante como a chuva
Só
Atrás do arame
O vento sopra a capa
Um raio ilumina um olho
Ele tem rosto
Barba de alguns dias
Os dias que chove
E que ele está ali
Imóvel
Constante
Fuzil nas mãos
No sangue
Que cai
E escorre com a chuva
Violento
Impassível
Espera
Seu sangue escorrer
Não pode segurá-lo
Com o fuzil
nas mãos
Ano Novo
Sola de petit-pavé
Hoje
Bunda de sofá e olhos de tv
Ontem
Livros, cinema, toda a gana de saber
Trabalho, preguiça, cara mais burro tô pra ver
Coisa do passado
Pra mim esse cara já virou viado