quinta-feira, novembro 30, 2006

O oco da carne


Peçonhento

Bicho-cabeludo na língua

nos engole

Como fugir do que vem de dentro?

Matar o oco da carne

Calar o ranger de ossos da caveira

Lamber o já deglutido

O som vesgo do coração

Pipoca no gelado sangue que ferve

Escuridão subterrânea e líquida

Gosma que envolve e regurgita

O calcanhar atravessado na garganta

mastiga a falta de ar dos pulmões

Metástase dos sentidos

O corpo todo embolado

Cãibra facial

Espiral de contorções na epiderme

Existência liquidificada liquidada

Num único sentimento:

Medo

quinta-feira, novembro 16, 2006

Domador de pedreiras




A madrugada. A cerca
Nada de cima
Nada de baixo
O pulo bêbado, mas ágil
O baque surdo da aterrissagem
A corda puxa a mochila

- Estou dentro



Pedreira Paulo Leminski. 5 horas da madrugada

- Estou dentro

Latido de cachorro

Ainda está escuro e a árvore dá proteção
Invisível
Por enquanto
Se clarear ...

Quieto quieto quieto

Longos minutos. A perna começa a formigar.
De pé. O olhar acostuma ou o dia clareia?
É preciso voltar a ficar invisível.
Outro lugar
Com calma
Roupa preta. Sempre.
Com calma, pé ante pé, junto ao tapume da cerca
Tem carro. Tem voz. Mas é lá embaixo
No portão de cima é mais perigoso
Se esperar, clareia
Arriscar já.
Passar lento e quieto
Subir as pedras por cima do lago
E sumir
Até a noite voltar
Até começar o show
Escalar
Quieto quieto pedra a pedra pedra a pedra
Um bom arbusto é o que preciso
Estacionar. Dá até para se esticar. Deitar
Mochila sob a cabeça
Merda de chuvinha que começa
Não vai engrossar
Dá até pra dormir se não engrossar



Pedreira Paulo Leminski. Meio-dia.

Som som som sssom
Teste teste testando testando sssom ssssom

Ouvido aberto Olho aberto
Não é sonho

- Estou dentro
- Pagar 50 paus nem fodendo
- A Pedreira é uma peneira

Todo molhado
Chuvinha de merda
Calma ao se mexer
Sem escorregar
Primeiro olhar conferir
O arbusto parece seguro
Proteção
Mas o caminho difícil. Olha
Olha olha
Sem mapa de chegada sem trilha
Local onde ninguém chega
Sair vai ser outro problema
Mas agora é esperar relaxar
Sentar
Mochila aberta
Pão com mortadela
Cantil com vinho barato

- Quando começar o show eu desço

Solidão
Frio no coração
Carminha não queria
Não vá não vá
Vem vem

Frio na bunda

- Tô aqui, que se foda!

Movimento aumenta depois das duas
O portão abre às três e o povo corre
Mais coisa pra ver
Mais segurança
Barulho mais pro alto
Tem gente aí pra cima do morro de pedras
Mais penetras
Mas fazem muito barulho
Tão gritando, cantando, uivando
Vão se ferrar
Segurança não demora
Em cima
Bate-boca
Tapa cacete porrada
No meio
Quieto quieto quieto encolhe some

Confusão vai passando
seguranças ficam de guarda
Merda
Agora como sair
Esperar o show começar
Esperar esperar esperar



Pedreira Paulo Leminki. 21 horas

Dores incômodo fome ressaca de vinho ruim roupa molhada corpo molhado alma molhada frio cabeça que dói e os seguranças acima

- Fôda-se, falta pouco

Troveja alto raios ao fundo ao mesmo tempo no palco explosão de luzes e fumaça
Tudo efeito especial?
O povo grita histérico
Som Som SOM SOM
O arbusto pula
Canhão de luz passeia pelo público incandescente avança pelas pedras sobe e se fixa num rapaz de pé, equilíbrio precário agarrado a um arbusto que serve de rédeas domador de pedreira peito nu a camisa girando no alto da cabeça o sorriso de três luas toma conta de todo o rosto

- AHÊÊÊ. DO CARAAAAALHOOOO!